domingo, 3 de abril de 2016

Conversando... sobre «crowdfunding»

Não é um peditório, nem sequer uma recolha de donativos. O crowdfunding é um sistema de financiamento colaborativo, assente na ideia de que a escassez de recursos individual pode transformar-se numa riqueza coletiva que, por sua vez, se traduz em benefícios particulares. Porque qualquer cidadão pode apoiar qualquer projeto de qualquer âmbito com qualquer quantia, colaborando na sua realização e colhendo sempre o retorno duma recompensa concreta.
Em certo sentido, o crowdfunding constitui uma alternativa aos modelos puramente capitalistas que ditam que só quem dispõe de capacidade financeira à partida pode empreender projetos. Porém, também não é uma espécie de coletivismo em que os participantes entreguem o seu património particular num contributo para um bem geral indefinido. Prefiro designá-lo como uma «comunidade de troca»: ao interessar-se por um projeto, cada indivíduo participa com o valor que quer ou pode a fim de viabilizar a sua concretização. Ao mesmo tempo, receberá o benefício de uma recompensa prevista. É por isso que não faz um donativo, mas realiza um investimento. Não «perde» dinheiro, mas adquire antecipadamente um bem ou serviço que lhe interessa, tornando-se corresponsável pela realização de uma iniciativa que considera válida e útil. Dir-se-á que, em contrapartida de se comprometer com um projeto, «ganha» em duas frentes: na recompensa que recebe e na satisfação de ser participante num empreendimento. É, pois, uma troca. Comunitária, porque envolve muitas pessoas, conhecidas entre si ou não, unidas pela causa comum que valorizam.
Esta noção da troca, que rompe os limites de uma certa atual cultura individualista («não tenho nada a ver com o que os outros fazem») e desconfiada («quero é ver o artigo pronto à minha frente antes de o comprar»), não é nova. Existiu em todos os tempos da história humana, designadamente na Europa pré-industrial, sob a forma das variadas redes de solidariedade que as populações criavam para sobreviverem através da ajuda mútua. Limitadas pela imobilidade dos espaços fechados do seu mundo e constrangidas pela submissão ao arbítrio de poderes públicos ou privados, cultivavam o espírito comunitário de partilhar o que tinham para ter acesso ao que precisavam e/ou desejavam.
A revolução industrial, ao separar capital e trabalho naquilo que se designou por modo de produção capitalista, tendeu a restringir a iniciativa social, tornando-a específica de quem possuía os recursos económicos para ser empreendedor e remetendo quem os não possuía à condição de simples obreiro a troco de um salário. Sabemos como isto dividiu e opôs as populações, contrariando o dinamismo da troca. A qual, não obstante, nunca desapareceu, tendo porventura permanecido, muitas vezes, como a garantia de sobrevivência dos mais pobres.
Hoje, a globalização alarga os horizontes de comunidade e, assim, relança a urgência da troca. E o seu alcance. E o seu poder. Na campanha de crowdfunding para publicação do meu livro Pena Máxima, houve apoios vindos de diferentes pontos do país, colaborações de pessoas que não conheço pessoalmente e participações de amigos em viagem ou residentes no estrangeiro. Todos terão o seu nome inscrito no livro (primeira e mais imediata recompensa individual). Todos receberão as restantes recompensas que lhes correspondem. E, pelo seu contributo, todos são corresponsáveis, comigo e com a Editora Livros de Ontem, no empreendimento de acrescentar a literatura portuguesa com mais uma obra.
Todos ganhamos. É isto o crowdfunding. Uma comunidade de troca e benefício. Em que, todos juntos, somos mais humanidade.

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