sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ficção X - Mão estendida

Uma mão estendida. Nada mais.
Venho do punho cerrado e eis o que me tornei: uma mão estendida, palma aberta à esperança que me foge, dedos recurvados na súplica que deixo escapar. Uma mão estendida, largada das ideias que outrora a rechearam, acolhendo o vazio na ilusão do tilintar oco do valor de moedas cada vez mais sem valor. Moedas que mais não são que matéria episodicamente largada por outras mãos, fugidias de descompromisso. Mãos distantes como o voo alto dos pássaros, insensíveis como luvas de camurça. Mãos ciosas de uma riqueza defraudada, sacudidas na espreitadela de uma dádiva de que logo se recolhem, protegidas na sua plenitude enganada.
Uma mão estendida, nada mais.
Venho do punho erguido e a isto me reduzo agora: uma mão estendida, vencida pelos olhares de inveja e rancor que a derrubaram, exposta aos olhos daqueles que já não me olham, porque deixaram de ver pessoas. Dos pedestais de sucesso e bem estar em que se equilibram à passagem, sentenciam-me na lógica de conquista em que acreditam nas suas dúvidas, condenam-me à morte do esquecimento que apregoam na retórica das suas vidas de aparato.
Uma mão estendida. Implorante, mendicante, recetiva a tudo. Democrática. Vencida. A pobreza não seleciona, aceita. A míngua é mais pródiga no acolhimento do que a fartura é generosa na doação. E não é que a míngua precise mais de receber do que a fartura merece dar, mas tem disso mais consciência. Que é, de resto, o seu maior valor. E a sua tortura.
Uma mão estendida. Nada mais.
É a partir dela que me escrevo, agora. Sentindo o que sou. Sendo no que sinto.
Uma mão estendida. Quarenta anos depois.

2 comentários:

  1. Que texto tão bonito!
    O nosso Álvaro a crescer dia para dia.
    Um beijinho gordo,

    Maria Inês Pinto

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    1. Obrigado!
      A escrita desenvolve-se também pela apreciação de quem lê.
      Crescemos juntos!

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