domingo, 14 de fevereiro de 2016

Texto quinquagésimo sexto

Um como que destino, uma espécie de rumo obrigatório. Um chamamento.
Sozinho no imenso vazio da caixa negra, abandonado à pequenez da sua vida ignorada, do seu nascimento anónimo, do seu crescimento discreto e do seu quotidiano inócuo, ele sentiu-se crescer na força galopante do progressivo desnudamento. Sozinho no imenso vazio da caixa negra, lembrou-se de que, momentos antes, depois do desejo ardente de ali chegar, quisera não estar ali. De que se empurrava a partir de dentro, fizera-o desde sempre, teimosamente. Insistentemente, por reconhecer um espaço vital naquele imenso vazio da caixa negra. Um como que destino.
Aquecido no banho envolvente da luz vertical, iluminado por aquela ilusão de onde nunca até para sempre, rendeu-se à própria teimosia de ali chegar. O espaço vital, imenso perante a sua pequenez abandonada, reduzia-se, moldava-se num encolhimento aveludado à expansão poderosa do seu progressivo desnudamento. Como se não houvesse outro sítio. Como se nenhum lugar além daquele pudesse recebê-lo, acolher a teimosia de ali chegar, testemunhar a expansão poderosa. O desnudamento. Nenhum lugar além daquele. Uma espécie de rumo obrigatório.
Desnudado, deixou-se ir naquele ímpeto controlado. Dos movimentos, dos gestos, das palavras e dos silêncios. E percebeu uma voz maior, exterior a si por dentro de si, que o convocava a ser corpo, ação, emoção e fala. Sentiu-se transcendido e incorporado na transcendência, simultaneamente fator e facto, oleiro e barro. Criador e suporte da obra criada. Deixou-se ir, porque dentro de si ele era todas as coisas fora de si. Porque fora de si tudo lhe estava dentro. Uma voz maior. Um chamamento.
Um como que destino, uma espécie de rumo obrigatório. Um chamamento, qualquer coisa como um apelo constrangedor na sua plena liberdade. A transcendência da sua vida ignorada, do seu nascimento anónimo, do seu crescimento discreto e do seu quotidiano inócuo. Onde nunca e até para sempre. O Teatro. A Arte. A Vida.

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