domingo, 2 de novembro de 2014

Texto trigésimo primeiro

Morrer é partir um pouco.
Foste-te embora num adeus anunciado, demorado numa dor arrastada insuportável, numa súplica muda lancinante. Querias ficar, eu sei: na tua vida toda de queixumes havia um medo mascarado, uma angústia de perda no infinito rosário das tuas confissões magoadas, uma saudade antecipada nas tuas recorrentes invocações de fim. Uma nostalgia assustada na pressa. Um exorcismo.
Viveste sonhando que vivias, sonhaste que vivias sonhando. Entre a ocasião e a impossibilidade, foste um querer-ser. Exististe à espera de uma consumação da qual fugias.
E morreste. Partiste com tudo o que me fica de ti, permaneces em tudo o que levas de mim. Há uma aproximação irreprimível neste afastamento definitivo de ti que revoga a intransponível distância que sempre cavámos entre nós, um abraço de morte que tritura duas vidas de costas voltadas. Ou que as recompõe. Um exorcismo?...
Morrer é partir um pouco. E ficar muito mais. Porque só morrerás definitivamente neste mundo quando eu deixar de chamar por ti.
- Mãe!...

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