sexta-feira, 11 de julho de 2014

Texto vigésimo sétimo

Adolescência. As férias eram passadas na cidade. Na solidão passeada nas ruas. No olhar desenrolado em volta, preso por dentro num silêncio curioso e derramado sobre as monotonias de asfalto e calçada, o prumo dos edifícios, a fluidez da gente. Ou nas quatro paredes do quarto, a meditação claustrofóbica alternando com os gritos mudos desenhados, o mergulho a pique na leitura intercalado com as braçadas vigorosas da escrita incipiente.
Adolescência. As férias eram isolamento, descoberta de si, procura interrogada, esboços de resposta, reticências. O excesso de solidão tornou-o incompreendido, ao mesmo tempo que gerou nele uma perceção maior de tudo. A quietude debruçada divorciou-o de uma realidade de ocupação e conquista, segregou-o para uma nuvem de afastamento e dádiva. O mundo dos outros vibrava-lhe dentro numa espécie de infrassons de comoção e delírio.
Adolescência. Todos o julgavam insensível e vazio, enquanto ele crescia para albergar em si toda a realidade que observava, para inventar uma utopia que lhe superasse o desgosto do que via. Desconstruía na mente e reconstruía no sonho.
Um dia parou de crescer. Maturidade. Teve de enfrentar a vida fora de si. Revestiu-se de uma roupagem de relações, decidiu tornar-se alegre e comunicativo. Todos, à sua volta, saudaram a sua sensibilidade adquirida, a sua riqueza interior revelada. O companheiro que se ganhara.
Só ele teve noção do que se perdera. Só ele soube.

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