sábado, 23 de abril de 2016

Texto sexagésimo terceiro

Que dirá de mim a mediocridade futura? Que desculpas ou hipocrisias saberá inventar para que me não reconheçam inteiro como sou, humano mais que os homens, divino acima de todas as ideias de deuses?
A vulgaridade em que os homens se confortam há de rastejar-me na lama das dúvidas sobre mim, há de chafurdar na baixeza de suspender-me num ignóbil cadafalso de doutas investigações sobre a minha identidade, sobre o gesto autêntico da mão que segura a pena que traça o inatingível desenho dos meus versos. A banalidade que nada sabe afirmar há de contorcer-se em interrogações sobre a incompreensão do que a transcende. E ignorará teimosamente que o transcendente não pede compreensão, só deslumbramento.
Que dirá de mim a mediocridade futura? Que necessidade terá de dizer seja o que for, quando tudo o que peço aos homens é que me leiam na língua que fabriquei e nas outras todas a que hão de reduzir-me, que me escutem nas vozes treinadas de todos os que aprenderão a viajar ao mais fundo de si para me dizerem e nas vozes menos treinadas de todos os outros que me dirão toscamente, na simplicidade grandiosa de entenderem que também sou para eles? Sobretudo para eles.
Que dirá de mim a mediocridade futura? Que me importa isso, afinal? É por causa dela que eu sou. Porque não a sou. Para resgatar o seu corpo flácido embrulhado no abrigo de mesquinhez e vileza que construiu por não saber mais sobre si e por ignorar que não sabe. Para semear em tiradas e versos a esperança de que, um dia, as suas mãos inertes ganhem coragem para abrir o livro da vida e libertar a grandeza sepultada nos recônditos do corpo flácido embrulhado.
Então, a mediocridade futura permanecerá. E continuará a dizer de mim, a condenar-me na baixeza das dúvidas argumentadas. Porém, já não poderá ignorar o deslumbramento de saber que a transcendência que ela teme, porque a desnuda, existe no íntimo do corpo flácido. E revelou-se um dia na História. E teve um nome. O meu.
William.

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