sábado, 30 de agosto de 2014

Conversando... sobre Penélope

Penélope.
Este é o título da obra cuja publicação está para breve: uma coletânea de dez contos que inclui outras tantas fotografias e uma ilustração de capa. Todo este conteúdo resultou de uma apurada seleção após concurso, subordinado ao tema «Liberdade, Medo e Solidão». Há ainda uma colaboração especial de Edson Athayde.
Esta iniciativa, fruto de uma parceria entre a editora Livros de Ontem e a plataforma The Art Boulevard, tem um significado especial para mim, já que um dos contos selecionados e incluídos na obra é da minha autoria!...
O conjunto da obra, garanto!, promete grande qualidade. A capa já é pública. Aqui está:

Como é apanágio da Livros de Ontem, o projeto está, neste momento, em fase de divulgação para apoio em crowdfunding, um conceito (revolucionário?) de promover a literatura, que recorre a uma implicação direta dos leitores, os quais, mediante o seu apoio, fazem do livro uma «coisa sua», mesmo antes de ele chegar às livrarias, ao mesmo tempo que estabelecem um vínculo mais personalizado com os próprios autores.
Aqui fica o link de acesso:
http://livrosdeontempt.us5.list-manage.com/track/click?u=33e0c1d61fe5440bfe2c7c1d5&id=ae201a07a1&e=8ad56dbd5e

A todos os que se dispuserem a participar no apoio a esta iniciativa, desde já o meu sincero agradecimento!

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Texto vigésimo nono

O externato que ele frequentou durante todo o primeiro ciclo (a escola primária, como então se chamava) situava-se a meio de uma pequena avenida da qual herdou o nome, uma via com dois sentidos de tráfego separados por placas centrais arborizadas.
Ao cimo da avenida havia um pequeno parque florestal, a “mata”, como todos lhe chamavam, implantada em homenagem a um pintor de referência do Naturalismo português, cujo busto se erguia a meio da rampa de entrada. Todos os dias, ou quase, ele olhava para o portão da mata, quando entrava ou quando saía do externato. Porém, o mundo que jazia para lá desse portão pouco ou nada significava para ele. Tomava consciência da vegetação frondosa daquele pulmão urbano de um modo distante e indiferente, na completa ignorância do valor que lhe daria anos mais tarde.
O caminho de casa para a escola não passava pela mata. Fazia-se por baixo, pela estrada com a qual a avenida confluía. Ou, será mais correto dizê-lo, da qual ela partia. No vértice do ângulo que as duas vias formavam, erguia-se a igreja paroquial, construção iniciada no século XVIII com materiais e homens desviados da obra do Palácio de Mafra, segundo diziam as más línguas. Contribuía para a lenda, não obstante a distância geográfica, o nome do arquiteto, o mesmo do Real Edifício, e a coincidência de datas dos projetos. A ser verdade, tal contrabando de pedra, estruturas e mão de obra não acelerou a construção, já que a empreitada de edificação da igreja paroquial se arrastou por longo tempo, só ficando concluída no início do século XIX, para ser dedicada ao culto em 1809.
Ele haveria de entrar muitas vezes na igreja, de muitas outras passaria diante dela como se lá entrasse e de outras ainda transportaria consigo a sensação de estar lá dentro para todas as distâncias que dela o afastassem. Porque aquela igreja tornar-se-ia uma referência absoluta na sua vida muito antes de ele o perceber e continuaria a sê-lo mesmo quando ele já não o percebesse.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Texto vigésimo oitavo

Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Uma pequena(?) história de insondável profundidade. Onde o enredo é mera superfície espelhada para um abismo de análise do ser humano: os sonhos, as inseguranças, as ambições insatisfeitas, os falsos refúgios, a cobardia das decisões não tomadas, a esterilidade da resignação às convenções.
Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Lemos o livro e é como se ele nos lesse a nós, folheamo-lo e ele devora-nos, aponta-nos cruelmente o dedo suave com que viramos as páginas. Porque nós estamos ali, irreprimivelmente ali, naquelas personagens intemporais do vitorianismo tardio da Londres dos anos vinte. Estamos na chama anestesiada de Clarissa Dalloway, nas amachucadas interrogações de Peter Walsh, no alívio ridículo de Hugh Whitbread e no êxito social de sir William Bradshaw. Estamos na revolta de Lucrezia Smith e na conversão desidratada de Sally Seton. E na correção cinzenta de Richard Dalloway. E também (assustadora constatação!) na tortura sem saída de Septimus Warren Smith.
Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Uma angústia que se apodera de nós ao longo da leitura, porque já morava em nós antes dela. Porque é a angústia do ser humano em busca de sentido, em busca de si próprio, em busca de um sentido em si próprio. Precisamos da angústia que nos alimente a luta para nos livrarmos dela.
Mrs. Dalloway. Virginia Woolf à procura de uma saída.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Dizer a Imagem 5: Derrame


Derrama-se a vida como a água se derrama. Compacta na sua transparência, poderosa na sua liquidez, inexorável no fluido.
Derrama-se a vida como a água se derrama. Vem de um vazio de alturas invisíveis, espraia-se na imensidão de uma inexistência, na forma de um nada, onde limos e nenúfares apenas dão cor a um falso entendimento. 
Derrama-se a vida como a água se derrama. Define-se numa fórmula, revela-se em propriedades, desdobra-se em aplicações. E permanece ausente em si mesma, dona de silêncios, rainha do mistério.
Quem me dera inverter a leitura! Ser capaz de içar-me ao invés do derrame, caminhar do nada onde me acabo para o vazio da origem! E perceber…  

(Fotografia de Jorge Figueiredo)