O externato que ele frequentou durante todo o
primeiro ciclo (a escola primária, como então se chamava) situava-se a meio de
uma pequena avenida da qual herdou o nome, uma via com dois sentidos de tráfego
separados por placas centrais arborizadas.
Ao cimo da avenida havia um pequeno parque
florestal, a “mata”, como todos lhe chamavam, implantada em homenagem a um
pintor de referência do Naturalismo português, cujo busto se erguia a meio da
rampa de entrada. Todos os dias, ou quase, ele olhava para o portão da mata,
quando entrava ou quando saía do externato. Porém, o mundo que jazia para lá
desse portão pouco ou nada significava para ele. Tomava consciência da
vegetação frondosa daquele pulmão urbano de um modo distante e indiferente, na
completa ignorância do valor que lhe daria anos mais tarde.
O caminho de casa para a escola não passava pela
mata. Fazia-se por baixo, pela estrada com a qual a avenida confluía. Ou, será
mais correto dizê-lo, da qual ela partia. No vértice do ângulo que as duas vias
formavam, erguia-se a igreja paroquial, construção iniciada no século XVIII com
materiais e homens desviados da obra do Palácio de Mafra, segundo diziam as más
línguas. Contribuía para a lenda, não obstante a distância geográfica, o nome
do arquiteto, o mesmo do Real Edifício, e a coincidência de datas dos projetos.
A ser verdade, tal contrabando de pedra, estruturas e mão de obra não acelerou
a construção, já que a empreitada de edificação da igreja paroquial se arrastou
por longo tempo, só ficando concluída no início do século XIX, para ser
dedicada ao culto em 1809.
Ele haveria de entrar muitas vezes na igreja, de
muitas outras passaria diante dela como se lá entrasse e de outras ainda
transportaria consigo a sensação de estar lá dentro para todas as distâncias
que dela o afastassem. Porque aquela igreja tornar-se-ia uma referência
absoluta na sua vida muito antes de ele o perceber e continuaria a sê-lo mesmo
quando ele já não o percebesse.
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