terça-feira, 30 de abril de 2013

Texto segundo


Sou apenas no que escrevo. Fora disso sou toda a minha vida visível, no cinzento das pressas do dia a dia, na policromia às vezes desbotada de todas as pessoas que me rodeiam, no arco-íris da sala de aula onde me entrego numa reinvenção quotidiana. Na frágil lamparina do teatro amador, que goteja na escuridão a teimosia da sua chama votiva. E no imenso ofuscante clarão dos que me são queridos, que me ardem por dentro como as labaredas aveludadas duma floresta incendiada, duma sarça ardente imensurável.
E sobram as longas noites de solidão fria, onde me espreito outro na escuridão das insónias inundadas de imaginação e de discurso, num turbilhão de cascata. Onde me vejo este espaço vazio que me sinto, entre as amarras e a busca
É então que sou outro, o da escrita. Outro que me deixa ser mais eu próprio, que me faz ser mais eu próprio nele. Porque me solta as amarras e me amarra à busca.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Texto primeiro

Gosto de escrever. Gosto de ser quem sou na escrita. Os dedos frenéticos sobre o teclado corporizam o ser humano essencial que assim me descubro, dão-me a conhecer esta parte mais sublime ou bizarra de mim em que me apraz (re)conhecer-me. Distante e tantas vezes alheio de mim, aproximo-me e estreito-me e cativo-me na escrita. E cresço. 
Álvaro Cordeiro é o nome que me dou neste ato de descoberta e surpresa. Não é outro nome, é o nome de um outro que me habita neste transe. Que me prolonga, que me devolve e acrescenta. Que imagina para lá da minha observação, que verte em palavra escrita o que eu não sei dizer. Que cria onde eu não sou capaz de imitar.
Escrevo-me, mas é ele que me escreve. É ele que conjuga nesta prosa cintilante o caleidoscópio das palavras que eu não sei manejar. Eu não sou quando escrevo, dou-lhe o meu lugar em mim. Por isso, neste momento de escrita, é ele e não sou eu.
Paulo Vaz é o nome que tenho na pessoa que sou, que tenho que ser, que não posso deixar de ser, que quero ser. Exceto quando escrevo. Como agora.