Sou apenas no que escrevo. Fora disso sou toda a
minha vida visível, no cinzento das pressas do dia a dia, na policromia às
vezes desbotada de todas as pessoas que me rodeiam, no arco-íris da sala de
aula onde me entrego numa reinvenção quotidiana. Na frágil lamparina do teatro
amador, que goteja na escuridão a teimosia da sua chama votiva. E no imenso
ofuscante clarão dos que me são queridos, que me ardem por dentro como as
labaredas aveludadas duma floresta incendiada, duma sarça ardente imensurável.
E sobram as longas noites de solidão fria, onde me
espreito outro na escuridão das insónias inundadas de imaginação e de discurso,
num turbilhão de cascata. Onde me vejo este espaço vazio que me sinto, entre as
amarras e a busca
É então que sou outro, o da escrita. Outro que me
deixa ser mais eu próprio, que me faz ser mais eu próprio nele. Porque me solta
as amarras e me amarra à busca.