Era de manhã. Cedo, mas ele não sabia precisar a
hora certa. Ainda não usava relógio porque não havia para quê. A decifração do
código hermético do mostrador era, aos quatro anos, uma tarefa transcendente,
algures a meio caminho entre a contemplação e a pesquisa.
Chegou pela mão da mãe, porque esse era um tempo em
que ainda fazia sentido aquele aconchego de uma mão maior envolvendo a sua.
Havia uma porta em arco, solene e robusta, que talvez fosse castanha, mas que
ele apenas recorda na cor verde escura em que foi pintada de novo, anos mais
tarde. A porta estava aberta, porque havia muitos meninos como ele, que
chegavam aconchegados por mãos maiores que envolviam as suas, como certezas
repletas que abafavam os medos apertados que se deixavam conduzir.
Transpondo o umbral, ele notou a penumbra do átrio,
simultaneamente misteriosa e lúgubre. Os outros meninos pararam e ensaiaram um
recuo estarrecido, prontamente combatido pelo puxão firme das mãos maiores que
comandavam sem apelo todos os sobressaltos. Ou talvez não tenha havido recuo
nem puxão nem sobressalto, mas apenas a consciência, da parte dele, de uma
reação distinta quando, soltando a mão do aconchego, sorriu por dentro do seu
rosto inexpressivo e avançou pelo chão de tijoleira até a um banco corrido,
encostado à parede lateral. Sentou-se, porque sabia que vinha para ficar. A mãe
dissera-lho, antes de saírem de casa e, por isso, ele interiorizara o facto com
uma certeza tão absoluta como a noção da sua própria existência. Ou mais ainda.
Os outros meninos permaneciam de pé, junto das mães que procuravam largá-los
das mãos maiores com a mesma repleta certeza com que os tinham agarrado e
trazido até ali.
Ele observava atentamente aquele medo que subia das
mãos largadas para o encolhimento dos rostos. Em alguns deles, esse medo
extravasou em lágrimas mal contidas que ele não percebeu, mas de que
estranhamente se compadeceu. A mãe dirigiu-se a ele e ele viu que os passos de
aproximação eram um movimento de despedida.
“Agora ficas aqui com os outros meninos”, disse a
mãe, “Eu vou-me embora e volto logo à tarde para te vir buscar”.
Ele fez o seu rosto sorrir por fora do seu íntimo
inexpressivo e não disse nada. A docilidade com que se deixara conduzir desde
casa, desde a decisão da mãe, fora já eloquência bastante e nada mais havia a
dizer. Porque ele não considerava a necessidade de resposta que a mãe sentia, a
insegurança que criava nela aquele sorriso vazio com que pretendia confortá-la.
A mãe beijou a imobilidade dele e deu meia volta, engolindo a ânsia de palavras
com que sempre se afastava dele e que ele nunca satisfazia, sem que ela
soubesse porquê. Ou sabendo um porquê que não era o dele, porque o silêncio
que, para ela, era frieza e egoísmo, para ele não passava de um modo de exprimir
a insignificância que sentia relativamente a si próprio.
E ficou na escola.