É porventura a mais bela composição instrumental de sempre.
Partilho-a com os meus votos de que, em 2014, a humanidade consiga, em todas as suas relações, atingir um semelhante grau de harmonia, conjugação e Belo.
Feliz Ano Novo!
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
domingo, 29 de dezembro de 2013
Texto vigésimo
Luigi Pirandello, ou o teatro em estado puro.
Pela depuração dos diálogos, em que a redução a um
minimalismo de efeitos reforça a complexidade de elaboração dos processos.
Pirandello ensina-nos que, em teatro, o mais importante está no que não é dito.
E isso é um desafio.
Pela desmontagem formal que nos faz assistir, mais
do que à ilusão erguida sobre o palco, ao mecanismo construtor dessa mesma
ilusão. Pirandello desvaloriza o mero deslumbramento perante a obra criada e
mostra-nos que, em teatro, o mais importante está na reflexão sobre a
capacidade humana de criá-la. E isso é uma paixão.
Mas, principalmente, pela profundidade de abordagem
da identidade humana, que nos remete, de cada vez, ao “odor da nossa própria
vida” do qual já não damos conta. Pirandello recorda-nos que, em teatro, o mais
importante é ferir de morte as personagens num delicado patíbulo de flagelação,
para que elas não morram em vida brutalmente imaculadas como figuras de cera. E
isso é uma purificação.
Vem isto a propósito da peça em um ato O Homem da Flor na Boca, que Luigi
Pirandello escreveu na década de vinte (estreou em 1923 e foi editada em 1926)
e da qual me atrevi a fazer a dramaturgia para uma versão que estará em cena
entre 9 e 18 de janeiro, na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul. Trata-se
de um texto sublime, adaptado de um conto anterior (Caffé notturno, de 1918, posteriormente reeditado com o título La morte addosso), no qual dois homens
se confrontam um com o outro, cada um consigo próprio, ambos com a vida e a
morte.
Encontra-se aqui o melhor de Pirandello, o teatro
em estado puro. Nada mais importa do que o ser humano radiografado no texto;
nada mais importa do que as suas contradições, personificadas nas duas figuras
em cena; nada mais importa do que o sabor da vida e o pavor da morte, presentes
de forma simultaneamente ciente e incógnita, inquietante. A peça vale pelo que
acontece durante a representação, mas vale também (mais ainda?...) pelo que
fica depois na consciência de quem assiste. O bilhete pago não compra apenas um
espetáculo a que se vai assistir, mas adquire por junto uma angústia que se
leva para casa no fim. Não é isso a arte: um objeto criado por alguém que
(re)cria algo nos outros?...
Luigi Pirandello, ou o teatro em estado puro. O
melhor é ir ver.
Siga o evento no Facebook em:
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Texto décimo nono
Eis o meu Presépio: o linho da pureza íntima, a
serapilheira da precária condição humana, a palha do mundo transitório, onde
tudo vale quanto dura. Invisíveis, os arames das convicções e projetos erguem
as figuras da Sagrada Família, que a chama da inspiração divina ilumina e
aquece. A festa de fitas, bolas e luzes coloridas fica para trás, em segundo plano. E, nas figuras, os rostos que faltam são os nossos.
De que outras metáforas precisamos para celebrarmos a Vida? Para crermos em
nós próprios, para confiarmos uns nos outros?
Boas Festas!
domingo, 22 de dezembro de 2013
Conversando... sobre o Natal
Quero desejar a todos os amigos e leitores deste blogue um Feliz Natal. Não apenas um natal alegre de risadas aparentes, mas um Natal verdadeiramente Feliz de aconchegos interiores, de comoções essenciais. De calor e simplicidade. De contemplação e abertura.
Que este seja um tempo em que consigamos viver a grande metáfora que esta quadra nos ensina: a fragilidade íntima floresce na aspereza exterior, o conteúdo preenche a forma, a plenitude inunda o vazio. As vozes de mero ruído calam-se para escutar o silêncio eloquente, a mensagem sobrepõe-se ao discurso, a Palavra suplanta a verborreia. Deus habita no homem.
Então, o mundo transforma-se: a aspereza exterior suaviza-se na intimidade frágil, a forma embeleza-se pelo conteúdo, o vazio plenifica-se. A eloquência corporiza-se nas vozes, o discurso transmite a mensagem, a verborreia organiza-se em Palavra. O homem torna-se Deus.
E a criação faz sentido. E ninguém fica de fora, porque todos somos homens, porque todos somos Deus que se faz homem. Porque todos somos Criação.
Feliz Natal!
Que este seja um tempo em que consigamos viver a grande metáfora que esta quadra nos ensina: a fragilidade íntima floresce na aspereza exterior, o conteúdo preenche a forma, a plenitude inunda o vazio. As vozes de mero ruído calam-se para escutar o silêncio eloquente, a mensagem sobrepõe-se ao discurso, a Palavra suplanta a verborreia. Deus habita no homem.
Então, o mundo transforma-se: a aspereza exterior suaviza-se na intimidade frágil, a forma embeleza-se pelo conteúdo, o vazio plenifica-se. A eloquência corporiza-se nas vozes, o discurso transmite a mensagem, a verborreia organiza-se em Palavra. O homem torna-se Deus.
E a criação faz sentido. E ninguém fica de fora, porque todos somos homens, porque todos somos Deus que se faz homem. Porque todos somos Criação.
Feliz Natal!
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Ficção VIII - "Dê à chave!"
O
rapaz endireitou-se, afastou-se ligeiramente do motor sobre o qual se debruçava
e onde lia com a desenvoltura de um letrado nas entrelinhas dos compêndios.
Desviou-se um pouco para o lado do capot
levantado, para ver o pára-brisas atrás do qual o cliente, no banco do
condutor, se afundava numa ansiedade incontrolada, agarrado ao volante como um
náufrago a não importa o quê.
“Dê
à chave, faz favor”, disse o rapaz, enquanto esfregava as mãos sujas de óleo ao
desperdício mais sujo que as limpava.
O
cliente era um homem maduro, engravatado de funções elevadas num colarinho
engomado de graus académicos. Obedeceu, no gesto vagamente devoto de quem
confia num milagre que já não espera. Rodou a chave na ignição, o motor pareceu
estrebuchar, queixou-se num soluço de expetoração presa.
“Já
quis”, comentou o rapaz, “Insista, dê à chave”.
De
novo a chave rodou, sucessivamente como contas de um cordão de reza a passar
nos dedos. Até que um ruído mais profundo e consistente anunciou que o motor
entrara em funcionamento, evoluindo do ronco áspero inicial para um
estremecimento suave e regular.
O
cliente engravatado saiu do automóvel, tentando dissolver o nervosismo no modo
como levava a mão ao bolso interior do casaco, em gesto de sacar uma arma. Mas
mais atrapalhado.
“Muito
obrigado”, disse, a carteira já na mão para exprimir em notas bancárias a
gratidão que não sabia dizer, “Estou sem tempo, percebe? Tome para si e muito
obrigado. Logo havia de me acontecer uma avaria destas aqui nesta terra de
ninguém. E eu sem tempo, percebe? Muito obrigado”.
O
rapaz, tão insensível às notas que lhe vieram parar às mãos como ao discurso de
rabo na boca do cliente, quedou-se a olhá-lo. Viu-o entrar novamente no
automóvel, arrancar num frenesim de pressa e desaparecer da sua vista tão
definitivamente como se lhe esvaía do horizonte o curso de engenharia aeroespacial
com que inadvertidamente sonhara e do qual desaguava no anónimo desenrasque de
motores daquela oficina de província. E sorriu à lembrança do cliente
engravatado, sentindo-se maior do que ele numa superioridade que não era
orgulho, mas consciência da necessidade: mesmo um doutor engomado precisa de
alguém que, limpando as mãos ao desperdício mais sujo do que elas, o ajude a
dar à chave.
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
Sexta alegoria
A minha dor é tão grande
Tão grande de sofrer
Que por mil léguas que eu ande
Não fujo a este doer
A minha dor é tão dura
Tão dura de chorar
Que desço o rio à procura
De um mar onde a sossegar
A minha dor é tão triste
Tão triste de viver
Que tudo, tudo o que existe
Conspira-me até morrer
Porém
Se esta dor que me traz vivo
E cativo se apagasse
Porém
Se este grito que me arrasta
E me agasta se calasse
Que seria de mim?
Teria chegado o fim…
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