Luigi Pirandello, ou o teatro em estado puro.
Pela depuração dos diálogos, em que a redução a um
minimalismo de efeitos reforça a complexidade de elaboração dos processos.
Pirandello ensina-nos que, em teatro, o mais importante está no que não é dito.
E isso é um desafio.
Pela desmontagem formal que nos faz assistir, mais
do que à ilusão erguida sobre o palco, ao mecanismo construtor dessa mesma
ilusão. Pirandello desvaloriza o mero deslumbramento perante a obra criada e
mostra-nos que, em teatro, o mais importante está na reflexão sobre a
capacidade humana de criá-la. E isso é uma paixão.
Mas, principalmente, pela profundidade de abordagem
da identidade humana, que nos remete, de cada vez, ao “odor da nossa própria
vida” do qual já não damos conta. Pirandello recorda-nos que, em teatro, o mais
importante é ferir de morte as personagens num delicado patíbulo de flagelação,
para que elas não morram em vida brutalmente imaculadas como figuras de cera. E
isso é uma purificação.
Vem isto a propósito da peça em um ato O Homem da Flor na Boca, que Luigi
Pirandello escreveu na década de vinte (estreou em 1923 e foi editada em 1926)
e da qual me atrevi a fazer a dramaturgia para uma versão que estará em cena
entre 9 e 18 de janeiro, na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul. Trata-se
de um texto sublime, adaptado de um conto anterior (Caffé notturno, de 1918, posteriormente reeditado com o título La morte addosso), no qual dois homens
se confrontam um com o outro, cada um consigo próprio, ambos com a vida e a
morte.
Encontra-se aqui o melhor de Pirandello, o teatro
em estado puro. Nada mais importa do que o ser humano radiografado no texto;
nada mais importa do que as suas contradições, personificadas nas duas figuras
em cena; nada mais importa do que o sabor da vida e o pavor da morte, presentes
de forma simultaneamente ciente e incógnita, inquietante. A peça vale pelo que
acontece durante a representação, mas vale também (mais ainda?...) pelo que
fica depois na consciência de quem assiste. O bilhete pago não compra apenas um
espetáculo a que se vai assistir, mas adquire por junto uma angústia que se
leva para casa no fim. Não é isso a arte: um objeto criado por alguém que
(re)cria algo nos outros?...
Luigi Pirandello, ou o teatro em estado puro. O
melhor é ir ver.
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