Devia haver uma idade mínima, pensei. Olhei a
sinistra caixa de madeira que te guardava, olhei-te para lá da cobertura dela,
branca da tua pureza, consistente da tua grandeza inocente, acetinada da tua
simplicidade intangível. Olhei-te num último abraço impossível. Devia haver uma
idade mínima.
E deixei-me escorrer de mágoa e revolta por entre a
multidão anónima que estava ali porque sim, porque não havia como não. Como eu.
Cabeças pendentes de quem não acredita no que sabe, corações ao alto de quem
sabe no que acredita, choros convulsivos de quem quer acreditar mas não sabe,
corpos rígidos no choque de emoções de quem não sabe nem acredita. E aqueles
que não sabem por que acreditam. E todos os outros. E eu.
Devia haver uma idade mínima, continuo a pensar.
Aos doze anos ninguém viveu ainda o bastante. Ninguém se deu a conhecer ao
mundo a ponto de ser lícito deixá-lo órfão de si. Por entre a multidão anónima,
diante da sinistra caixa de madeira que te guardava, estremeci na busca de uma
legitimidade maior que a sombria nuvem de injustiça e erro de tudo isto. Devia haver
uma idade mínima, continuo a pensar.
Mas não. Não há requisito para chegar, nem fórmula
para a duração da permanência ou para as condições dela, nem nomeação para a
partida ou atestado que a impeça. Espreitando por entre os muros da lógica
controladora que erguemos em volta da nossa existência, temos de abandonar-nos
ao deserto do mistério que se estende para lá deles. E nos envolve na violência
de tempestades de areia.
Que sabemos? Em que acreditamos? Escorrem-nos por
entre os dedos, como finos grãos, as angústias, as revoltas e os medos. E as
interrogações que não conseguimos formular. E os consolos a que tentamos
agarrar-nos. Não há idade mínima para ninguém. Haverá uma idade certa para cada
um? Não sei, apenas acredito. Porque sim, porque não há como não.