domingo, 6 de novembro de 2016

Texto setuagésimo primeiro

Um livro é mais que a escrita dele. É uma carga de memórias que se arrasta como armas enferrujadas de batalhas perdidas (todas as batalhas são perdidas em não se ter conseguido evitá-las…); é a celebração dos escombros do vivido e a arquitetura possível a partir deles, numa espécie de grito reciclado de que vale a pena continuar; é um reduzirmo-nos a cinzas amargas ou doces e renascermos delas, num estremecimento de libertação de um passado que quer prender-nos por ser amargo ou doce. Um livro é uma sepultura e uma catarse, um último suspiro largado num vagido primordial, um fim que se torna princípio.
Um livro também é mais que a leitura dele. É um mergulho em apneia, uma viagem sufocante para dentro de nós a partir de fora; é um estilhaçamento da alma contra um espelho que em nós se quebra nas páginas que nos desmontam; é um regresso à superfície, a possibilidade emergente de um novo olhar, limpo das velhas escamas arrancadas pela torrente das palavras que desfilam por nós como cardumes de revelação. Um livro é um naufrágio e a boia de socorro, uma deriva presa à jangada de salvação, uma submersão que resgata.
Um Amor Morto é um livro bem escrito. É muito mais que um livro bem escrito. É tudo o que digo acima. E mais ainda. A sua escrita ainda escorre em sangue e lágrimas. A minha leitura dele eleva-se em fumos de incenso.

2 comentários:

  1. Que forma tão bonita de iniciar o Domingo, com uma leitura tão profunda de um texto que me é tão caro.
    Estou tão grata!

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    1. O que escrevi é sentido: apreciei imenso a leitura do livro, transporto-a comigo.
      Identifico-me com a arquitetura narrativa, creio ser um caminho interessante e válido para a literatura portuguesa.
      Parabéns!
      Continuemos...

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