Não consigo dizer se fosse eu. Talvez não
conseguisse ser eu se fosse eu. Fugiria num repente, mochila às costas cheia de
nada, ou vazia de tudo. Ou cheia de tudo o que é nada no vazio das palavras
recostadas no conforto do que nunca experimentámos.
Não consigo pensar se fosse eu. Decerto não
conseguiria ser eu se fosse eu. Fugiria num repente, soltaria o meu corpo na
vertigem da sobrevivência, para salvar o que restasse da alma que ficaria para
trás, inevitavelmente para trás no silêncio das coisas, no ruído das gentes,
nas coisas das histórias das gentes, nas gentes dos lugares das coisas. Na vida
inteira desabada que não cabe em nenhuma mochila às costas cheia de nada, ou
vazia de tudo.
Não consigo imaginar se fosse eu. Já não seria eu
se fosse eu. Fugiria num repente, desgarrado de mim, dilacerado e pulverizado, abandonado
ao absurdo trânsito de resgate porque mais nada, porque o caminho entre os
sonhos construídos que se deixam, desfeitos, e as fantasias desejadas que se
buscam, quiméricas, é inconsistente e doloroso como um vácuo. Destruidor, mas é o
único caminho. Nisso consiste o impensável horror: lançar-se na fornalha porque
é preferível caminhar sobre brasas do que deixar-se submergir pela lava
incandescente. E desejar as brasas e correr para elas, como se fosse diferente.
Que importa o que nos enche a mochila, ou o que se diz sobre isso no vazio das
palavras recostadas no conforto do que nunca imaginámos?
Nem consigo ser eu a pensar se fosse eu. Que seria
de mim se fosse eu?...
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