A poltrona aveludada, estampada em tons de convite,
apetecia-lhe como um descanso longo, uma acomodação prolongada, suspiro
arrastado de chegada. Mas havia distância entre a visão dela e a cama de pregos
donde se soerguia para olhá-la. Muitas vezes sentira a tentação de erguer-se
definitivamente, despir a consciência de faquir inquieto e embrulhar-se no
consolo aveludado do estofo apetitoso. Por que razão nunca o fazia? Talvez
fosse prazer insólito, apelo de um destino ou mera noção de cumprimento de um dever,
o que o retinha ali. Ou talvez as três coisas juntas. E outras. Na brusquidão
de mais um impulso de partida, recostou-se de novo na cama de pregos, a carne
dilacerada sangrando, escorrendo as palavras indomáveis nas quais se dizia. À
distância da sua visão, o convite da poltrona parecia, como sempre, afastar-se
numa deriva consentida de naufrágio inventado, desmaterializava-se na
fugacidade impressionista de um gozo apenas prometido. Até que regressasse,
como tentação renovada.
Temporariamente liberto, fechou os olhos para
dentro de si, enterrou-se na cama de pregos, única realidade que lhe restava.
Na dor agonizante que o perfurava, sentiu-se esvair no fluido em que se
escrevia. Aceitava aquele martírio que lentamente o extinguia, na espera do
convite estampado aveludado que de novo lhe apeteceria como um descanso longo,
uma acomodação prolongada, suspiro arrastado de chegada. Que mais uma vez
recusaria, na distância torturante da cama de pregos.
Era
escritor.
Belo texto. A cama de pregos acontece de forma intermitente nas nossas vidas e entre o prazer e a dor há um fluir de invisibilidade que se esconde na energia do verbo.
ResponderEliminarObrigado. Quando essa energia brota, não há como travá-la! Não há como não escrever...
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