Precisamos da provocação da arte, essa ferramenta
espiritual de olhar todas as coisas de outra maneira. Que nos desarma, por isso
nos fortalece. Fragiliza-nos no modo como nos desnuda ao encontro da nossa
essência. Assusta-nos por isso. E fascina-nos.
Porém, fugimos da provocação da arte, da qual
precisamos. O frémito quotidiano, mera luta de sobrevivência, inibe-nos. Debatemo-nos
na ânsia de permanecer à tona e, assim, perdemos o gozo do mergulho existencial
nos nossos medos, que afinal nos salvarão. Afligimo-nos mais nos desejos de
alívio, deixamo-nos prender por objetos de pretensa libertação. Não sonhamos,
iludidos por falsos ideais de vigilância. A superficialidade encobre a
profundeza, o imediato mascara o eterno. A arte sobra nas urgências da vida,
falta às angústias.
Entretanto, evadimo-nos (ou enganamo-nos de nos
evadirmos): programamos fins-de-semana «diferentes», projetamos férias «exóticas»,
compensamo-nos por sonharmos paraísos proporcionais à nossa impossibilidade deles. São intenções de
fuga já resignadas de regresso. Abrimos vagamente o postigo à utopia que nos
habita, porém negamos-lhe o espaço para que verdadeiramente nos ocupe. E
buscamos teimosamente respostas no nosso dia-a-dia atribulado, virando costas
ao mistério pessoal que nos interroga e dá sentido por isso.
Mas existe a arte. As artes todas. A literatura
também. E a religião, talvez. E o amor, sempre. As ferramentas do espírito (com
a cumplicidade do corpo). Algo que confira à nossa vida um certo sentido de
tragédia. De inexorabilidade que desafia. De decisão que urge. De
constrangimento que nos leva à superação. De compromisso até ao martírio. De
vida na própria morte. De salvação.
Precisamos.
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