«Posso
chegar a um espaço vazio qualquer e fazer dele um espaço de cena. Uma pessoa
atravessa esse espaço vazio enquanto outra pessoa observa – e nada mais é
necessário para que ocorra uma ação teatral».
Estas
palavras de Peter Brook estiveram na base do conceito de escrita de O Poder e o Desejo: o texto, carregado
nas palavras e espartilhado na forma clássica da tragédia, aligeirou-se nas
referências de implantação no espaço cénico.
Inspirada
por essa sugestão, a encenação original afastou-se deliberadamente de padrões
visuais historicistas: esvaziada a cenografia e despidas as personagens de quaisquer
marcas de época ou caráter, ficaram apenas os corpos dos atores nas suas roupas
essenciais de trabalho, partilhando um chão comum com os espetadores. Se Peter
Brook deu o mote para a escrita, o teatro pobre de Grotowski inspirou a
encenação.
A
intenção de todo este minimalismo foi criar um espetáculo que coubesse numa mala
de viagem, para que pudesse ser levado a qualquer sítio, preencher qualquer
espaço vazio. Para que os ecos da Palavra que ele procura transmitir pudessem
ressoar mais longe, para que a partilha de reflexões e sentimentos que ele
tenta suscitar pudesse alcançar mais fundo. E porque o teatro, no seu estado
mais «bruto» (outra vez segundo Peter Brook), pode acontecer em qualquer
tempo e lugar.
Justificada
por tudo isto, a oportunidade de apresentar O
Poder e o Desejo na capela do Externato Marista de Lisboa inscreve-se ainda,
porque se trata de uma história inspirada num episódio bíblico, no retomar de
uma tradição ancestral da cultura europeia: a representação de «Mistérios», dramatizações
de narrativas extraídas da Bíblia que tinham lugar nos adros das igrejas ou,
frequentemente, no seu interior.
Evidentemente,
a intenção eminentemente catequética ou moralizante dos Mistérios medievais dá
aqui lugar a uma dimensão mais interpelativa e provocatória, centrada nas
palavras e nas emoções que delas brotam. E inscrita numa estética de tragédia
clássica que o texto ensaia, que a encenação procura e que o espaço agora
escolhido evoca talvez melhor do que qualquer outro.
De
toda a depuração formal sairão reforçados – assim o esperamos – os sentimentos
assumidos pelos atores nas personagens que interpretam. Pois, se Peter Brook
deu o mote para a escrita e o teatro pobre de Grotowski inspirou a encenação, é
sempre Stanislavski que espreita por detrás do trabalho de criação dos papéis.
Por
tudo isto, a reposição de O Poder e o
Desejo, nos dias 9, 10 e 11 de abril, na capela do Externato Marista de
Lisboa, é uma ocasião única e imperdível. Talvez a última.
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