sábado, 22 de março de 2014

Texto vigésimo quinto

Sou um escritor de silêncios.
Observo a realidade, absorvo o mundo no olhar. Abro os braços numa pergunta sem filtro, acolho todas as cores das reticências que percebo. Delicio-me e enojo-me, deixo-me preencher de êxtase e de náusea. Sempre calado, porque não me chega voz em que possa existir fora deste fundo poço de interrogação quieta.
E algo por dentro cresce, é uma quietude feroz que se apodera. Até que há dias em que o silêncio grita mais alto. Extravaso então as ressonâncias de tudo, verto no papel inocente as alegrias e as raivas, as mágoas e as serenidades, as provocações e as angústias. E permaneço calado, alimento a interrogação ao esvaziá-la no derrame das palavras escritas, dou-a a saborear ao papel inocente, por mim tornado cúmplice do meu silêncio. Dou-a a saborear a mim próprio e – se alguns houver – a quantos quiserem lê-la. Em silêncio.
Uma escrita calada, eis a minha voz. Mais que um grito de militância, um apelo à troca. Mais que um desafio à reflexão, um convite à cumplicidade. À degustação do olhar, de onde tudo parte. Ao mergulho na interrogação, onde tudo se adensa. À procura. Sem portões gradeados de receios, fechaduras de certezas ou ferrolhos de sentenças. Ao encontro. No silêncio.
Sou um escritor de silêncios.

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