Estava
sentada diante do tampo frio da mesa. Olhou a chávena de café imóvel, a teimosia
de uma fumaça ténue tentando contradizer o ambiente gélido. Segurou-a com as
duas mãos, abraçou-a com os dedos devorados pelo ardor das frieiras de um
inverno impiedoso. O calor da chávena acentuou-lhe a sensação raspada e
cortante na pele, aquele sofrimento que ela desejava, na ânsia de esquecer outro
maior.
A
solidão.
Poisou
a chávena. Olhou o pacote de açúcar repousado no pires, sete gramas de doçura
destinados a mitigar o amargo daquela bebida quente, estimulante, apaziguadora.
De quantos sete gramas precisaria para suavizar a amargura do seu coração
perdido, retraçado na separação bruta, estilhaçado no esgar de troça da inqualificável
despedida?
“Vê
se cresces!...”
Olhou
em frente, para a cadeira vazia. Vazia do corpo que a seduzira, vazia do sorriso
que a cativara, vazia da voz que a envolvera no embrulho do seu canto antes de
lhe rasgar as ilusões com o gume do desprezível sarcasmo:
“Achavas
que eu me ia agarrar a ti para toda a vida? Vê se cresces!...”
Olhou
em frente, para o vazio da vida à sua frente, para o vazio de si própria. E
deixou-se ficar, na espera de quem não espera por nada.
A
solidão.
De
novo pegou na chávena. Bebeu o café, já morno como uma lembrança vaga, como uma
recordação diluída, não a dela. Bebeu-o amargo, rejeitou a hipocrisia de sete
gramas de doçura, a miragem de que é possível condimentar a angústia a ponto de
torná-la apetecível.
“Vê
se cresces!...”
Engoliu
o negrume da insuportável troça daquelas palavras roucas que não se descolavam da
sua mente, do seu olhar vazio, da pele dos seus dedos chagados. Sentiu-se
queimar por dentro pelo lume daquele vazio que lhe corria nas entranhas. Porque
era verdade: simplicidade, confiança e entrega são infantilidades que não
constam do manual de sobrevivência da cidade dos homens crescidos. Onde o amor
é um bem que se consome e desgasta. Onde o ser amado é uma ferramenta
utilitária e descartável.
“Vê
se cresces!...”
A
solidão.
Ergueu
o olhar, levantou a mão, esticou o dedo devorado pelo ardor das frieiras de um
inverno impiedoso. E pediu outro café, que é bebida de adultos. Com açúcar.
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