Virá
o dia em que serei capaz de erguer os olhos dos pés fincados no quadriculado
dos dias mornos. Nesse dia, as pálpebras semicerradas ao vento frio e quente,
hálito múltiplo dos sonhos de que sempre fugi, hão de deixar-me perceber as
sandálias de Hermes que nunca ousei acreditar, porque o conformismo magnético
das solas de chumbo sempre me atraiu o olhar para a terra firme da cobardia
padronizada.
Virá
o dia em que serei capaz de gritar a revolta do peão indignado com as regras do
xadrez obsceno. Nesse dia farei tremer a terra com um simples passo, um avanço
subversivamente oblíquo, captura en
passant de todas as inércias que me querem parado.
Virá
o dia em que acontecerá a libertação sonhada. Até lá, curvo o olhar para o chão
quadriculado, desalinho os pés numa ilusão de avanço, arrasto o chumbo numa
esperança de asas. Retenho em mim esta imagem de um sonho que faço existir em
palavras.
E
morro mais um dia.
(Fotografia de Jorge Figueiredo)
(Fotografia de Jorge Figueiredo)
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