Deitou-se
à espera dela. Antecipava-lhe a chegada, de olhar fito na porta fechada que
seria desnecessário abrir. Ela estava do outro lado, sabia-o bem, postada numa
espera paciente, inexorável. A duração da expectativa dependeria da noção que
ela, do outro lado, tivesse do momento certo, do seu sentido de oportunidade,
não de pressa. Ela nunca tinha pressa, considerou ele, deitado à espera desde
que o anúncio dela lhe soara dentro em sintomas vagos. Foram tonturas esboçadas,
primeiro, depois dores discretas aparentemente inócuas. A seguir vieram os
tremores, os gestos tolhidos, as descoordenações inexplicáveis. Até ao
diagnóstico, um envelope fechado entregue em mão num gesto mecanicamente
afetuoso, uma espécie de palmadinha nas costas esterilizada. O veredito de uma
doença incurável, degenerativa. Uma sentença final sem data de execução.
Deitou-se
à espera dela, desde então. Em tudo o que fazia permanecia deitado à espera, em
todas as conversas que travava, em todas as deslocações em que parecia já não
ir a parte alguma, em todos os sonhos que invariavelmente desembocavam no beco
sem saída de não haver espaço nem tempo para concretizá-los.
Às
vezes, no leito daquela insuportável expectativa, desejava apressá-la. Ou, ao
menos, precipitá-la num último ato de dignidade. Sabia que, na sua implacável
crueldade, ela esperaria até ao limite, do outro lado da porta fechada. Talvez
a entreabrisse numa dor aguda ou num espasmo lancinante, sopro de infundada
esperança inconsequente. Mas esperaria, prolongaria até ao limite, e porventura
para lá dele, a lentidão da decadência e da perda, assistiria sem ver ao
despojamento de toda a sua humanidade física, intelectual, espiritual e moral.
Então, quando nada mais lhe restasse a não ser a existência, abriria então a
porta num último gesto escancarado para vir colhê-lo, já putrefacto mas ainda
não cadáver.
Deitou-se
à espera dela. Porém, por dentro, permanecia erguido na esperança. Porque sabia
que, na hora marcada, a porta se abriria para um túnel de luz e tudo o que
restava dele seria sorvido num vórtice de surpresa e transcendência, uma paz
que antecipava na expectativa impotente, o movimento contido na inércia, a
esperança alimentada na espera. Sabia que ela viria tomá-lo pela mesma mão que
o trouxera para o choro primeiro, a mesma ternura na viagem dolorosa, o mesmo
sofrimento de amor. Algo por que valia a pena todo o caminho que restava, por
mais pedregoso e arrastado que fosse.
Deitou-se à espera dela,
porque sabia. Sabia porque acreditava.