Entro no quarto vazio da minha solidão procurada,
fecho a porta das vozes que me atordoam, canto de sereias que amiúde me seduz.
Sento-me no chão da minha ingenuidade antiga, há um tapete encardido que me
priva agora do frio revigorante do soalho, tábua rasa que outrora fui. De
pernas cruzadas sobre a consciência de mim, cerro as persianas do olhar, faço
escuro por dentro. Invoco o mais íntimo de mim, essa máxima elevação onde te
busco, esse completo abismo onde me encontras. Há uma chama solitária que em
mim grita a tua luz, quero banhar-me nesta quietude em que todo te dizes no meu
ser, a surdez de que me fiz não deixa. Entrego-me nesta revolta em que fujo,
castigo-me na dor do perdão que me infliges. Eis-me.
Invento-me no mistério que sou, desvendo-me na evidência
que és em mim. Não me entendo nada, só quero abrir os braços da prece
atormentada para que me acolhas, na esperança de que me acolhas. Chamo-te nas
palavras que em vão me repito, sei que a tua resposta está no eco demolidor dos
silêncios que me rejeito. Não me entendo nada, nem quero nem sei, ponho-me todo
na súplica de que não precises de entender-me, nem queiras porque sabes.
Agarro-me à dor do teu perdão como asas de anjo que me salvem do abismo, cedo à
injustiça do teu amor que não consigo. Acorrento-me a esta finitude em que me
libertas sempre. E creio. Eis-te.
Reabro
as persianas, descruzo as pernas. Há um caminho de luz para lá da porta
escancarada. Não entendo nada, avanço. Desço a montanha rumo ao vale de
lágrimas onde me esperas neles. Eis-nos.
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