domingo, 10 de fevereiro de 2019

Dizer a imagem 16 - Afinal?...



Já me fui embora das roupas que me tornavam visível. Há um abandono de pregas desordenadas, uma inutilidade de biqueiras alinhadas, um vazio. Histórias incompletas de uma vida que acabou. Uma ausência, um desejo de mais, uma saudade. O que resta de nós quando nos vamos sem aviso? O que fica no aviso com que premeditamos uma inevitável partida?
Já me fui embora das roupas que me tornavam visível. Há um luto que alastra como enchente poluída, todas as cores se diluem num desgosto negro sem voz, a própria luz de tudo parece sufocar no tenebrismo opaco de nada mais.
Já me fui embora das roupas que me tornavam visível. Mas as memórias todas chovem teimosas, ensopam a secura das vestes na humidade dos passados que ainda, as tábuas do soalho absorvem a muda transparência do meu corpo que já não. Pleno é o meu nome na boca de todas as lembranças, a interpelação luminosa que inunda o oco negrume da ausência, a ânsia de ficar.  
Já me fui embora das roupas que me tornavam visível, grito-me em tudo o que resta na ânsia de ficar. Entre a brevidade e o eterno, permaneço afinal?

(Fotografia de Jorge Figueiredo)

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