Todos
os dias entro neste café, sento-me à mesma mesa e fico à espera. De te ver
entrar como naquele dia, empurrada para dentro pela chuva torrencial e súbita,
desígnio tempestuoso que te trouxe a mim. Chegaste num rasgo de fuga ao dilúvio,
cambaleaste numa acrobacia inibida perante o fogo cruzado de todos os olhares
do espaço repleto, encostaste-te à única cadeira vazia naquele antro de
refugiados da intempérie. Diante de mim, na mesa onde eu estava.
E
cruzámos olhares de cores diferentes, o meu queixume negro e desiludido chocou
com a verdura fresca e esperançosa da juventude que irradiavas. Tacteámos palavras
de saudação, experimentámo-nos numa conversa de circunstância, não quero
incomodá-lo, não faz mal esse lugar está livre, desculpe estou encharcada, pois
é a chuva veio de surpresa, ao menos aqui está calor, sim podes aquecer-te e esperar.
Despiste
o casaco ensopado, eu aliviei insensivelmente o aperto do cachecol que enrolava
ao pescoço como ridícula marca de intelectualidade literária. Assim nos fomos
revelando numa conversa de chá quente, gostos de leitura e peripécias de
viagens, histórias partilhadas numa progressiva infusão de intimidades.
Saíste
quando o céu limpou o aguaceiro de março e se tingiu de um azul luzidio de
primavera anunciada. Levantaste-te, vestiste o casaco já apenas húmido e saíste
num jeito bailarino de pássaro livre, tudo lá fora chamava por ti. Observei-te
impotente, a mesa diante de mim como mansarda romântica, o meu espírito livre projetado
em ti, o meu corpo emparedado incapaz de seguir-te, tudo em mim pedia que
ficasses. Gostei de conhecer-te, eu também gostei de conversar consigo, talvez nos reencontremos,
talvez sim venho aqui de vez em quando, quem sabe noutro dia de chuva, quem
sabe até num dia de sol.
Todos
os dias entro neste café, sento-me à mesma mesa e fico. À espera de ti.
Sem comentários:
Enviar um comentário