domingo, 2 de abril de 2017

Texto octogésimo


No teatro, vejo o mundo ao contrário. Coloco-me no inverso de mim, para vê-lo no reverso dos seus embustes. Na mentira criada no palco revela-se a verdade escondida nas farsas quotidianas. Há uma transparência genuína na aparente opacidade do jogo de luzes sobre a caixa negra, uma honestidade pura nas subtis invenções do texto. Teatro é sinceridade.
No teatro, vejo o mundo ao contrário. Coloco-me na posição certa para desmontar a realidade obnubilada pela sombra das urgências diárias. Troco as lentes da habitual redução fenomenológica e, assim, abro os olhos para um todo maior. A ficção inventada no palco desenha o meu universo factual com a máxima nitidez. Digo a minha essência em cada gesto que faço, encontro-me no íntimo de todas as entoações com que falo. Teatro é verdade.
No teatro, vejo o mundo ao contrário. Sou mais eu nesta forma de estar. Estou mais em mim nesta forma de ser. O mundo ao contrário. Talvez a forma certa de olhá-lo.

Fotografia de Carlos Alberto Cavaco, no ensaio de Canto do Cisne... ou Talvez Não.

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