domingo, 7 de fevereiro de 2016

Texto quinquagésimo quinto

Porquê o teatro? Porque não lançar-me em escaladas de sucesso, converter-me à volúpia dos mil ecrãs luminosos manipuladores, janelas ambíguas que me descobrem o mundo e escondem o homem, desterros solitários em miragens de omnipresença?
Porquê o teatro? Porque não ceder ao consolo das obesidades fáceis, dos arrotos de fartura em mecanismos de aposta e lucro, ao invés deste desgaste de buscar um Belo que outros apreciem, desta consumição na insaciedade provocante?
Porquê o teatro? Porque não sumir-me na perna traçada de impávidas poltronas, calando o sopro inspirador que me empurra de dentro? Porque não fingir a rouquidão cinzenta inopinável, bronzeada e liquefeita, ao invés deste arrepio gritante, deste silêncio crispado ensurdecedor que sonha contagiar-se como hálito vivificante?
Porquê o teatro? Porque não respirar fundo na atenção repartida das multidões, dissipando a artilharia dos olhares curiosos nas quotidianas solidões acompanhadas? Porque não preservar o retrato anódino numa circunspeção aparentemente respeitosa, ao invés desta coragem de extinção no desnudamento, desta insanidade de abrir o corpo a todas as balas, disposto a qualquer aniquilamento de amor e crítica?
Porquê? Porquê um monólogo num palco de teatro? Porque não conservar-me o mais possível numa morte em que prolongadamente exista, ao invés de viver plenamente uma vida em que me morro a cada dia?
E porque não?... Se prefiro morrer-me numa vida desejada ao invés de apenas existir numa morte aceite…

Sem comentários:

Enviar um comentário