domingo, 23 de agosto de 2015

Texto quadragésimo oitavo

A casa.
Olhou em volta e reconheceu-se em tudo o que via. Porque toda a casa gritava a presença dos seus ascendentes. Era o seu bisavô nas traves mestras de madeira centenária; era o seu avô na marcenaria apurada de todos os móveis; era o seu tio na negligência dos cinzeiros espalhados por toda a parte, mas também na minuciosa catalogação das chaves de cada um dos armários e gavetas; e era, sobretudo, o seu pai no desvelo cuidadoso da preservação daquele mundo, na esquadria funcional da organização do espaço, na longínqua visão de futuro da conservação do passado. E era também, claro, a sua mãe na ternura bizarra do amor-ódio com que marcara impressões digitais por toda a parte.
A casa de família.
Olhou em volta e reconheceu-se em tudo o que via. Porque toda a casa desembocava nele, havia uma história dele gravada naquilo tudo. E, mascarada embora pelo moderno reboco das empenas, coberta pela impecável polidez das telhas recentes, vivia ali uma alma que o habitava.
A casa de família na aldeia.
Olhou em volta e reconheceu-se em tudo o que via. E percebeu que não podia desfazer-se de si mesmo. E reaprendeu o valor da História.

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