«Sempre
preferi adensar os mistérios a resolvê-los. […] Um mistério, desde que obtém
uma solução, deixa de o ser, pois não nos oferece mais nada para pensar.»
Este
excerto que transcrevo do texto de Éric-Emmanuel Schmitt incluído na folha de
sala do espetáculo O Evangelho segundo
Pilatos atualmente em cena no Teatro da Comuna, exprime bem o sentido da obra
literária e dramática deste extraordinário autor. Ao mesmo tempo, revela a
principal razão pela qual a mesma me fascina.
Quando
li O Evangelho segundo Pilatos, há
uns anos atrás e na sua forma original de romance, fiquei imediatamente
rendido. Não só pelo facto de abordar um tema que me apaixona enquanto ser
humano e amante de História (a controvérsia sobre a figura histórica de Jesus
de Nazaré, a sua vida e as peripécias da sua morte, a crença na sua ressurreição
e a eclosão do Cristianismo), mas também – e sobretudo – pela audaciosa profundidade
da sua abordagem e pela inteligência provocadora com que deixa tudo em aberto. Éric-Emmanuel
Schmitt, que vem da Filosofia para as Letras, não escreveu o livro para partilhar
a sua resposta, mas para semear a interrogação no íntimo de cada leitor. De facto,
questionar a figura de Jesus e a realidade do Cristianismo, pôr a si próprio o
problema da Incarnação e da Ressurreição é, quanto a mim, refletir sobre coisas
essenciais do mistério do ser humano: expectativa, sonho, medo, destino,
sacrifício, festa. Vida e morte (e Vida outra vez?...). Por experiência afirmo
que é um caminho que mais e mais nos aproxima de nós mesmos.
O
próprio Éric-Emmanuel Schmitt, exímio dramaturgo, adaptou o romance para
teatro. É essa versão que temos agora a oportunidade (absolutamente
imperdível!) de ver, até 23 de novembro, no Teatro da Comuna.
Neste
espetáculo, a brutal urgência do texto é acentuada pela frugalidade da
encenação e pela verdade corajosa do trabalho dos atores (pontuada por
momentos brilhantes). Tudo ao serviço do texto. Tudo para que fiquemos sós
diante das palavras ditas, que nos envolvem como o vento do deserto judaico cerca
Pilatos nas dúvidas que o tornam refém de uma interrogação profunda que em nós
se prolonga.
O Evangelho segundo Pilatos,
no Teatro da Comuna. Um mistério a não perder!
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