sábado, 18 de outubro de 2014

Teatro: «O Evangelho segundo Pilatos»

«Sempre preferi adensar os mistérios a resolvê-los. […] Um mistério, desde que obtém uma solução, deixa de o ser, pois não nos oferece mais nada para pensar.»
Este excerto que transcrevo do texto de Éric-Emmanuel Schmitt incluído na folha de sala do espetáculo O Evangelho segundo Pilatos atualmente em cena no Teatro da Comuna, exprime bem o sentido da obra literária e dramática deste extraordinário autor. Ao mesmo tempo, revela a principal razão pela qual a mesma me fascina.
Quando li O Evangelho segundo Pilatos, há uns anos atrás e na sua forma original de romance, fiquei imediatamente rendido. Não só pelo facto de abordar um tema que me apaixona enquanto ser humano e amante de História (a controvérsia sobre a figura histórica de Jesus de Nazaré, a sua vida e as peripécias da sua morte, a crença na sua ressurreição e a eclosão do Cristianismo), mas também – e sobretudo – pela audaciosa profundidade da sua abordagem e pela inteligência provocadora com que deixa tudo em aberto. Éric-Emmanuel Schmitt, que vem da Filosofia para as Letras, não escreveu o livro para partilhar a sua resposta, mas para semear a interrogação no íntimo de cada leitor. De facto, questionar a figura de Jesus e a realidade do Cristianismo, pôr a si próprio o problema da Incarnação e da Ressurreição é, quanto a mim, refletir sobre coisas essenciais do mistério do ser humano: expectativa, sonho, medo, destino, sacrifício, festa. Vida e morte (e Vida outra vez?...). Por experiência afirmo que é um caminho que mais e mais nos aproxima de nós mesmos.
O próprio Éric-Emmanuel Schmitt, exímio dramaturgo, adaptou o romance para teatro. É essa versão que temos agora a oportunidade (absolutamente imperdível!) de ver, até 23 de novembro, no Teatro da Comuna.
Neste espetáculo, a brutal urgência do texto é acentuada pela frugalidade da encenação e pela verdade corajosa do trabalho dos atores (pontuada por momentos brilhantes). Tudo ao serviço do texto. Tudo para que fiquemos sós diante das palavras ditas, que nos envolvem como o vento do deserto judaico cerca Pilatos nas dúvidas que o tornam refém de uma interrogação profunda que em nós se prolonga.
O Evangelho segundo Pilatos, no Teatro da Comuna. Um mistério a não perder!


Sem comentários:

Enviar um comentário