Nos primeiros anos percorreu o caminho de ida e
volta de casa para a escola pela mão da mãe, que ia ficando mais pequena à
medida que a sua crescia, sem que isso diminuísse o vigor com que a mão maior
segurava a mais frágil e sem que se alterasse a relação de forças com que a mãe
o dominava. Foi talvez na quarta classe, ou perto do final da terceira, que ele
foi autorizado a regressar sozinho a casa no final do dia. De manhã, o
acompanhamento da mãe no percurso de ida era, mais do que uma certificação da
pontualidade dele, uma tranquilidade para os nunca exteriorizados receios dela.
A mãe nunca deixou de sofrer por ele, de se
sobressaltar na contínua imaginação, que ela tinha como premonição segura, de
todas as possíveis fatalidades que nunca ocorreram. Sempre ocultou todos os
sustos no ênfase de controlo de tudo que alardeava e, por isso, ele sempre
descansou na descontração dela em que piamente acreditava. Nunca supôs que ela
dissimulasse qualquer espécie de medo. Nunca duvidou de que a pressão que ela
exercia sobre ele fosse outra coisa para além de uma desconfiança quanto ao seu
cumprimento. E terá nascido nessa altura a ideia, que ele desenvolveu ao longo
dos anos, de que ela lhe reconhecia uma fragilidade de caráter que fazia com
que não gostasse dele.
— Quando acabar a escola, voltas imediatamente para
casa – dizia ela, invariavelmente, no seu tom controlador, cujo asserto o
manietava. – Ai de ti que te demores em algum lado!...
Assim, o caminho para casa era sempre apressado, o
que lhe impedia a observação, a descoberta e o desvio que sempre moldam os anos
de infância a caminho da adolescência. Ele nunca se desviou, porque sabia que a
sua mãe não queria. E, para ele, nada era mais importante.
Saía da escola e atravessava a avenida, numa linha
perpendicular à porta em arco que, a determinada altura, foi pintada de verde.
Depois, sempre pelo passeio e com extremo cuidado, se era inverno, para se
desviar das poças de água que poderiam encharcar-lhe as botas, único calçado de
que dispunha para todo o ano letivo, descia até ao entroncamento da estrada. Aí
havia uma papelaria, onde, anos mais tarde, passaria a vir quase diariamente.
Contornava-a e continuava a seguir pelo passeio agora largo, cruzando-se com
mulheres da idade da sua mãe que, domésticas como ela, percorriam aquela zona
às compras ou passando o tempo. Também se cruzava com rapazes e raparigas mais
velhos, que se moviam em grupos com uma descontração que o perturbava. Depois
de passar a padaria, uma das lojas onde mais tarde seria conhecido pelo nome,
avistava já as arcadas dos prédios onde morava. Depois do maior café do bairro,
em cuja esplanada várias pessoas, homens e principalmente mulheres, ostentando
uma condição social pretensamente superior que estavam convencidas de possuir,
prolongavam a tarde ao sabor de chá e torradas, havia uma sapataria cujo dono
era amigo de infância da sua mãe e tinha um nome bíblico que ele só quarenta
anos mais tarde voltou a encontrar em alguém. A seguir, o supermercado a que a
sua mãe amiúde recorria para solucionar qualquer súbita falha detetada na
despensa, dizia-lhe que tinha chegado. O supermercado era a loja do prédio onde
morava, no último andar que se abria em vista panorâmica sobre o bairro.
Quando tocava à campainha, respirava de alívio: não
se tinha desviado nem atrasado, a sua mãe ficaria satisfeita.
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