A adolescência despontou bizarra dentro dele. Nunca
se lhe esbugalharam os olhos diante das formas curvilíneas das raparigas sobre
quem, de resto, exercia o curioso fascínio de um aconchego emocional. Elas
apreciavam a simplicidade viril do seu cavalheirismo polido, ele
dispensava-lhes um modo outro de amizade, feita de consideração e escuta.
Revelava-lhes o altruísmo na idade em que ser egoísta é tão natural como as
borbulhas no rosto. Amou e quis ser amado, mas só quando descobriu um espírito
sublime num corpo recatado de mulher.
A adolescência despontou bizarra dentro dele.
Cresceu numa desarmonia de membros, mas expandiu para dentro uma grandeza
maior, vislumbrou um mundo interior mais infinito que o universo que aprendia
nos bancos da escola. Sem saber que nome lhe dar, chamou alma a essa plenitude.
Mas era um termo castrado ainda, porque herdara uma infância de mãos postas e
não descobrira ainda o imenso lago filosófico onde haveria de mergulhar depois.
A adolescência despontou bizarra dentro dele.
Descobriu-se a olhar sempre para dentro das coisas, dos momentos, dos seres. E
não sabia porquê.
Só mais tarde, na sábia distância do tempo e no
vislumbre lúcido da memória, percebeu. Recordou os aniversários em que o seu
pai o tirava de casa e o soltava nas salas forradas de livros da grande
livraria. Ali, varrendo com o olhar as lombadas na possibilidade de escolher o
que quisesse – era essa a sua prenda de anos – experimentou inigualáveis
êxtases de identidade, desafio, liberdade e sentido. Ali, pela mão do seu pai,
descobriu um mundo de fascínio de que soube revestir-se como de um casulo.
Foi nesse casulo que eu nasci. Fui a melhor prenda
de anos que o seu pai lhe deu.
A forma como surge a personagem literária dentro de nós não deixa de ser especial e um motivo de recordação, ainda para mais quando associada a pessoas e momentos importantes das nossas vidas...
ResponderEliminarObrigado pelo comentário.
EliminarÉ bem verdade: os momentos ou circunstâncias especiais da vida cujas recordações transportamos connosco formam o nosso universo simbólico e constroem aquilo que somos. Julgo que, para além daquilo que recordamos, é significativa a forma como recordamos.