Frequentava o 8º ano de escolaridade, na maré baixa
já meio serenada dos restos da década de setenta. A aula de História decorria
na velocidade de cruzeiro do desinteresse generalizado da turma. Dentro dele,
porém, o ritmo era outro, uma aceleração de curiosidade pelo passado que
ilumina o presente, uma voragem de busca, no tempo que foi, de uma chave de
interpretação do tempo que é. Uma avidez de conhecer, uma insatisfação da
ignorância. Uma pressa.
(Hoje ele sabe que a História não ilumina nem
interpreta: interessa, porque desenrola uma intriga; fascina, porque expõe o
mistério do que cada um de nós é no eco do testemunho do que todos os outros já
foram; e compromete, porque nos absorve na vaga da evolução das sociedades,
corrida no tempo contra um tempo que há de vir.)
O professor apontava o mapa, continentes
mergulhados nos oceanos daquela tela esticada entre duas ripas de madeira que
uma fita medrosa suspendia de um camarão torcido, acima do quadro preto (ou
seria verde escuro?). E explicava a viagem que definiria a rota do Cabo: a ida
que se alargava generosa no Atlântico, barriga esperançada de dar à luz um
qualquer Brasil a oeste, gerado no suor do polémico acordo de Tordesilhas; e a
volta recheada de oriente, a obesidade das naus apoiada nos contornos
reconhecidos da costa africana.
(Anos mais tarde, o reencontro casual com o professor,
já desativado das lides docentes e enlatado num trabalho de gabinete que lhe
satisfazia a resignada sobrevivência, deixou-o pensativo nos solavancos do
autocarro: e se o Gama também se tivesse resignado à mera sobrevivência?...)
Frequentava o 8º ano de escolaridade, na maré baixa
já meio serenada dos restos da década de setenta. E ali, naquela aula de
História que decorria na velocidade de cruzeiro do desinteresse generalizado da
turma, decidiu que queria ser professor.
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