Ocupam tudo. Germinam sonhos nas palavras que
escondem como larvas, revelam o seu mistério em invólucros sagrados como
cálices. Ocupam tudo. Estendem-se pelas prateleiras como ondas de maré cheia,
abraçam-me a vida como trepadeiras, devoram-me a existência como feras
predadoras. Ocupam tudo.
São os livros. Forram-me as estantes, preenchem-me
a vida. Conquistam todo o espaço numa implacável presúria, transcendem-me o
espírito numa fartura insaciada. E ficam-me dentro, depois e para sempre, numa
plenitude transfiguradora e indizível. São os livros.
Quando entram em mim, não mais poderão sair. Nem eu
deles, a comunhão é transubstanciadora e perene. Por isso a separação física é
irrelevante. Necessária, às vezes, porventura urgente: como não alargar para
outros a graça inefável que sobre mim desceu, gestos de bênção a cada virar de
página?
Gosto de dar livros. Gosto de dar os livros que me
fui dando e que tanto me deram de mim mesmo. Não são os meus bens que partilho;
é o meu próprio ser que reparto, a minha história que alargo numa expansão
significativa. E transformadora, porque as páginas em que me li irão
escrever-se noutras vidas mais e mais. Até ao infinito.
São os livros. Ocupam tudo.
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