domingo, 28 de agosto de 2016

Texto sexagésimo sexto

Com que palavras se diz a nossa fragilidade? Dizemos «terramoto» para lembrar a tragédia de múltiplas vidas soterradas nos escombros de décadas de edificação, ou simplesmente no acaso de estar ali. Dizemos «incêndios» para gritar a misteriosa injustiça dos infernos deflagrados a horas mortas que reduzem a cinzas os sonhos de tantas horas vivas, pondo vidas em risco durante horas infindas. Dizemos «terrorismo» para denunciar os incompreendidos fanatismos mundiais que camuflam as nossas intolerâncias de bairro. Dizemos «guerra» para nos revoltarmos contra os ódios seculares que massacram povos a uma escala numérica maior que as nossas desavenças familiares. Dizemos «cancro» para chorar a impotência contra todos os monstros que crescem dentro de nós mesmos. E dizemos tantas outras palavras que soam a becos sem saída, nesta ânsia de salvação que nos corre nas veias.
Mas não conseguimos dizer «culpa», porque raramente sabemos a quem atribuí-la. Por isso dizemos «humanidade», que é talvez a forma mais descomprometida de justificarmos a nossa fragilidade.
O problema… é que queremos mais.

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