O
espaço vazio, o chão negro das rivalidades humanas, a ambição insensível e dura
a erguer-se dele como menires de ferro ancestrais, memórias de lutas passadas
cravadas como pilares. A luz errando como desejos perseguidos, descobrindo
virtudes e ocultando perversidades (ou o contrário). E o som: ecos da
consciência como ondas gordurosas, o remorso no sobressalto de trovões. Sobre todo
este manto, as palavras grandiosas e os atores que as defendem. E mais nada.
Há
quem diga que Shakespeare deve ser encenado assim. Sem o abuso de ornamentos,
sem artifícios nem rede. Na corajosa transparência de um texto que já contém
tudo e onde as opções cénicas são meros sublinhados de uma leitura que se
partilha. É assim o Macbeth do TEC.
A
tradução de Miguel Graça é cuidadosa, não rouba ao texto senão o inevitável (e
digo-o, tendo assistido, há menos de três meses, a uma representação na língua
original em Stratford-upon-Avon). De resto, Shakespeare é demasiado universal,
grita verdades que estão para lá das línguas e não sufocam no labirinto delas.
A
encenação de Carlos Avilez é extraordinária na grandeza da sua simplicidade: ousa
submeter-se ao texto, vira-se inteiramente para ele, numa espécie de vénia
sábia que se rende ao fluxo das palavras sem nunca renunciar a conduzir o
ritmo do drama. Sem o abuso de ornamentos, ou talvez no abuso da ausência
deles.
A
representação dos atores é, neste contexto, coragem pura: sem artifícios nem
rede, soltos na arena e inermes até nas espadas que empunham, lutam com um
texto esmagador ao qual se entregam no sacrifício redentor de vivificá-lo. E a
nós.
Há
quem diga que o teatro é isto: um espaço vazio, um texto cheio. E atores que se
esvaziam no texto preenchendo o espaço, preenchendo-se no espaço. E a nós.
É
por isso que Shakespeare deve ser encenado assim. Porque o teatro é isto.
Porque Macbeth.
No
Teatro Municipal Mirita Casimiro. Até 27 de dezembro.
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