Olhou-se
ao espelho e sorriu. Sob a luz rasante matinal que a exígua janela quadrada
emprestava à casa de banho, o seu rosto era o mesmo. Mais cavado das rugas do
tempo, mais maduro das dores da sobrevivência, era o mesmo rosto de vida, a
mesma expressão de luta. E de vitória.
Olhou-se
ao espelho e sorriu. O cabelo acastanhado que outrora lhe escorria sobre os
ombros em ondas vaidosas suaves, desenhava-se agora discreto e curvilíneo,
rasteiro ao couro cabeludo num despenteado ralo que já fora medo e vergonha
para se tornar alívio. E esperança.
Baixou
os olhos lentamente. Contemplou o corpo magro, vencida já a rejeição de não ser
capaz de olhá-lo, debilitado pela angústia, fortalecido na resistência. E na
luta: os ombros erguidos, o desenho enérgico e atraente dos braços. E o peito.
Houve
uma comoção, uma espécie de estremecimento marejado nos seus olhos claros, ao
observar-se assim, na crua nudez da condição humana: a falsa simetria do busto
minado pela doença, talhado pela cura, reconstruído pelo ilusionismo da ciência
e da técnica.
Olhou-se
ao espelho e sorriu. Treze meses. Os sintomas, os receios, o diagnóstico, o
pânico. A decisão de lutar, o desafio, a cirurgia e a recuperação. E a terapia.
Sobrevivência. Treze meses de uma história de mergulho e recomeço, de escalada
a pulso, de emergência e mutação. Ela mesma diferente, a mesma essência
completa numa extensão amputada. E refeita.
Olhou-se
ao espelho e sorriu. Uma força inexplicável crescia no seu íntimo, porque
estivera sempre lá.
«Sou
mulher!», gritou por dentro, «Sou mulher e estou viva!...»
Virou
costas ao espelho, regressou ao quarto, vestiu-se. Era o dia da última sessão
de radioterapia.
Sobrevivência.
E vitória.
Sorriu.
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