domingo, 12 de abril de 2015

O Poder e o Desejo (5)


Tem razão quem afirmou que «o teatro é a aprendizagem da morte, porque é a experiência das coisas que acabam». Quem trabalha em teatro descobre a inevitável efemeridade de tudo o que se vive. Toda a vida é transitória. Permanece a lembrança, a força de uma recordação que, segurando-se à distância elástica do tempo, se faz memória na esperança de se escrever História. Terminada a última apresentação, O Poder e o Desejo é já uma memória. A amarga nostalgia doce de um processo pleno, que nos revolveu em profundidade.

Primeiro, o texto. O enamoramento do tema, a conquista de uma relação na pesquisa aturada, o compromisso na decisão de escrever. E a criação, a engenharia da estrutura e a arquitetura da forma, a cálida gestação da busca de um discurso, o parto dolorido das palavras encontradas.

A seguir, a definição do projeto. A decisão demorada de abraçar um texto que nos extravasava, a opção subversiva por uma encenação minimalista e intrusiva, que haveria de incomodar o público na medida em que o deliciasse, que faria crescer os atores na medida em que os esquartejava impiedosamente e sem defesa.

Depois, o processo criativo. A construção da personagem: corpo e sentimento, biomecânica, gesto habitado, voz, entoação e intenção. A criação do papel: busca de referências, pesquisa histórica e bíblica, o mergulho nas teorias do teatro, seleção e adequação, desmontagem do texto, análise e síntese. A implantação de cena: a depuração, a busca do máximo efeito nos mínimos objetos, pôr em jogo os atores como veículos do texto, assumir o teatro-Palavra, Wagner e Prokofiev a forrarem o tesouro.

Por fim, a partilha. A vontade de mostrar, o privilégio de ser visto. O aplauso generalizado à entrega dos atores, a unânime aclamação da força do texto. E a encenação, como quase sempre, a diluir-se na sua eficácia subtil. As sucessivas apresentações como degraus de uma superação sem limite. O abandono total da lógica de espetáculo, a ausência da noção de produto acabado. Cada apresentação como a continuação do processo, um constante aperfeiçoamento. Como iguaria suculenta a apurar em lume brando.

O Poder e o Desejo. Quase dois anos de um percurso cheio, desde o primeiro lampejo na mente solitária até ao último apagamento das luzes de cena, sob o olhar coletivo de um público rendido. O prazer de fazer o que se gosta, o gosto de estar no que se faz. A graça de viver uma experiência transformadora. E partilhá-la.

O Poder e o Desejo. A força de poder. A fraqueza de desejar. O mistério da criação, o sortilégio da arte. A condição humana. E a transcendência.

Uma memória que ficará escrita na minha história!

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