Tem
razão quem afirmou que «o teatro é a aprendizagem da morte, porque é a
experiência das coisas que acabam». Quem trabalha em teatro descobre a
inevitável efemeridade de tudo o que se vive. Toda a vida é transitória.
Permanece a lembrança, a força de uma recordação que, segurando-se à distância
elástica do tempo, se faz memória na esperança de se escrever História. Terminada
a última apresentação, O Poder e o Desejo
é já uma memória. A amarga nostalgia doce de um processo pleno, que nos
revolveu em profundidade.
Primeiro,
o texto. O enamoramento do tema, a conquista de uma relação na pesquisa
aturada, o compromisso na decisão de escrever. E a criação, a engenharia da
estrutura e a arquitetura da forma, a cálida gestação da busca de um discurso,
o parto dolorido das palavras encontradas.
A
seguir, a definição do projeto. A decisão demorada de abraçar um texto que nos
extravasava, a opção subversiva por uma encenação minimalista e intrusiva, que
haveria de incomodar o público na medida em que o deliciasse, que faria crescer
os atores na medida em que os esquartejava impiedosamente e sem defesa.
Depois,
o processo criativo. A construção da personagem: corpo e sentimento,
biomecânica, gesto habitado, voz, entoação e intenção. A criação do papel:
busca de referências, pesquisa histórica e bíblica, o mergulho nas teorias do
teatro, seleção e adequação, desmontagem do texto, análise e síntese. A implantação
de cena: a depuração, a busca do máximo efeito nos mínimos objetos, pôr em jogo
os atores como veículos do texto, assumir o teatro-Palavra, Wagner e Prokofiev
a forrarem o tesouro.
Por
fim, a partilha. A vontade de mostrar, o privilégio de ser visto. O aplauso
generalizado à entrega dos atores, a unânime aclamação da força do texto. E a
encenação, como quase sempre, a diluir-se na sua eficácia subtil. As sucessivas
apresentações como degraus de uma superação sem limite. O abandono total da
lógica de espetáculo, a ausência da noção de produto acabado. Cada apresentação
como a continuação do processo, um constante aperfeiçoamento. Como iguaria suculenta
a apurar em lume brando.
O Poder e o Desejo.
Quase dois anos de um percurso cheio, desde o primeiro lampejo na mente solitária
até ao último apagamento das luzes de cena, sob o olhar coletivo de um público
rendido. O prazer de fazer o que se gosta, o gosto de estar no que se faz. A
graça de viver uma experiência transformadora. E partilhá-la.
O Poder e o Desejo.
A força de poder. A fraqueza de desejar. O mistério da criação, o sortilégio da
arte. A condição humana. E a transcendência.
Uma
memória que ficará escrita na minha história!
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