Escrever.
Escrever como Penélope: urdir uma infindável teia
de sonhos, infindável porque de sonhos. Escrever ao contrário de Penélope:
tecer no escuro da noite, encher o balão na densidade dos silêncios, rezando
para que o espigão dos dias ruidosos retraia o seu furor e se compadeça da
película ténue que envolve a fragilidade gasosa (espiritual?...) da criação.
E escrever, escrever sempre. A propósito e sem ele,
nas horas disponíveis e nos intervalos do tempo que não há, nas intermitências
de tudo e nas permanências de nada, a caneta ou a lápis, nos suportes próprios
e impróprios, nos cadernos de qualquer outra coisa, nos versos dos talões do
multibanco e nas frentes também, quando a impressão está sumida, no bloco de
notas do computador portátil quase sem bateria e no rascunho de mensagens do
telemóvel. E na memória, cada vez mais débil, onde a frase pensada e armazenada
será mais tarde recuperada numa forma diferente.
Escrever como Penélope: entreter uma obra visível
imperfeita à espera de um rei invisível, perfeito na minha ideia dele, que
teima na demora de mostrar-se.
Escrever. Porque o ímpeto é irreprimível, porque a
vontade dói de uma maneira insuportável. Escrever sempre. Porque outra coisa é
impensável.
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