Estava só. Olhou em volta, ao redor das quatro
paredes, e sentiu o olhar doer-lhe como um choro na noite. Foi à janela,
derramou o olhar, quis ver mais longe, encontrar um pouco fora o que dentro lhe
sobrava. Mas foi em vão, porque percebeu que não podia pedir ao deserto que se
metamorfoseasse em bosque frondoso. Não porque o não fosse, mas apenas porque
ele não conseguia vê-lo.
Fechou os olhos, mas as
imagens dele próprio demais continuavam a bailar-lhe dentro como borboletas
sinistras. E pouco importava se lhe evocavam o mundo real cujas observações ele
colecionava, ou se eram mesmo o reflexo e o prolongamento desse mundo. A
verdade é que, dentro dele, existiam muito mais, com muito maior intensidade e
era aí que lhe doíam. E era assim que se tornavam uma verdade que não existia lá
fora.
Abriu de novo os olhos,
mas já não derramou o olhar. Correu as cortinas, virou as costas ao bosque
frondoso que não conseguia ver e recolheu-se, mergulhou no deserto de si
próprio em busca de um qualquer oásis de estar ali, que não conhecia. Deitou-se,
cerrou o olhar sem se dar conta de ter baixado as pálpebras. Quis dormir, mas o
pavor dos pesadelos de ontem retinha-o num lugar de vigília que o martirizava
de lembranças. Resignou-se a sonhar acordado, que era o seu irremediável
destino. Desejou ser simples, amaldiçoou a sua natural inata complexidade, ou a
consciência dela, que é a mesma coisa. Invejou os pobres de espírito, os
néscios e os ignorantes, que dormem tranquilos noite após noite, sem culpa
nenhuma. Detestou-se por se sentir condenado por todas as vicissitudes que o
atropelavam e de que só ele era culpado, porque as percebia.
Sentiu a luta dentro de si, envolveu-se nela um
pouco, mais uma vez. Por fim, respirou fundo… e desistiu. Viver é difícil
demais, quando se tem tanta vida dentro. Registou mentalmente aquele dia em que
abdicava de si próprio, em que renunciava ao seu deserto como se enfim
reconhecesse a impossibilidade do oásis, em que assumia viver apenas nos
outros. A data da sua morte.
E
começou a escrever.
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