As manhãs de sábado eram para as compras. Ele
acompanhava a mãe, transportava os sacos vazios e carregava-os cheios no
regresso a casa. A mãe tinha um quisto na mão direita que lhe inibia os
carregos e, embora desdenhasse a moléstia, era sôfrega da companhia. Claro que
ele julgava-se importante apenas pela força dos braços e, como a mãe nunca lhe elogiava
os dotes do espírito, cresceu na convicção de que valia apenas enquanto
executor de tarefas.
O mercado era na rua, ocupava as placas centrais da
pequena avenida que desembocava na igreja. Mergulhado na estreiteza das bancas,
entre caixas de fruta, molhos de legumes e alguidares de peixe supostamente
fresco (os balcões do pão e dos bolos eram mais adiante e, para as roupas, era
preciso atravessar para o passeio lateral), ele não imaginava que um dia viria
a ter saudades daquele sítio. Dos encontrões entre sacos recheados, das botas a
chapinhar na água que escorria com todos os cheiros misturados, da vulgaridade
despudorada das conversas em voz alta.
Um dia, o mercado foi instalado em recinto próprio,
espaço circular de corredores concêntricos, bancas de pedra com medidas e
apetrechos regulamentares. A largueza do sítio, a limpeza e ordem de tudo
transformaram as manhãs de sábado em algo diferente, normalizado. Na aparência,
tão só, porque o cenário não constrói as personagens. E, sob aquela capa de
civilização, ele redescobriu a natural rudeza da população com a qual não se
identificava, mas em cujo seio se resignara a crescer.
Hoje, atordoado pela atmosfera artificial da
imensidão quadriculada do hipermercado, onde todas as horas são iguais e o
anonimato é uma gigantesca vaga que tudo submerge, ele recorda o bulício das
placas centrais da pequena avenida que desembocava na igreja, onde a escassez
tantas vezes determinava a necessidade de madrugar e a familiaridade chegava a
ser incómoda como insetos.
Na imensidão quadriculada do hipermercado, ele
suspira, consciente da espiral inexorável do tempo: “O que é que ainda me fará
ter saudades disto?”
Sem comentários:
Enviar um comentário