Noite. Os ponteiros fosforescentes do relógio desenham
as três e meia. O silêncio invade o espaço todo que a escuridão embrulha. Como
sempre, ele não consegue dormir. Levanta-se da cama, ergue o seu corpo do
estrado que protesta a sua insónia num rangido acusatório. Olha brevemente para
a tranquilidade, no outro lado da cama. O espesso invólucro da noite mal deixa
entrever a beleza dela, derramada entre os lençóis naquele corpo maduro,
delicado e provocante, naquele espírito elevado, voluntarioso e sensível. E,
dentro dele, há um impasse de ternura no coração sobressaltado.
Afasta-se, sai do quarto. Percorre a casa de olhos
bem abertos no escuro, atento à impossibilidade de ver com clareza.
O sofá da sala sufoca um queixume ao sofrer o
acolhimento do seu corpo pesado. Ele ali fica, sem pressa, libertando o
espírito no tempo que escorre, saboreando lentamente a insónia resignada que é,
para ele, a contrapartida noturna de não ser indiferente às coisas, durante o
dia.
Não acende a luz. Deixa uma ténue esperança brilhar
no escuro ou sonhar com isso: talvez daquela solidão nasça alguma coisa que
valha a pena escrever.
Talvez eu queira.
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