O dever. A urgência quadriculada das obrigações
quotidianas constrange a vontade de parar e gritar. Parar é afastar-me, virar
costas ao mundo e às suas lógicas de produtividade e sucesso, partir para
dentro à descoberta de tudo. Gritar é escrever, deitar tudo cá para fora no
urro gutural da imaginação libertária. Que se esconde no trabalho diário que me
esconde. O dever.
Falta-me tempo. Suspendo levemente a tarefa que um
dia me apaixonou e hoje ainda me sustenta, olho as minhas mãos. Está tudo
nelas: as veias engrossadas pela seiva de tudo o que me corre dentro, os dedos
esticados na mímica introvertida de mim, a escrita a querer sair no crescimento
silencioso das unhas lentas. A escrita. Falta-me tempo.
E sobra-me dever, que me rouba o tempo. Queria
trocar-me comigo, inverter o jogo de máscaras, amachucar para dentro esta
remexida diligência profissional que todos veem e pela qual me julgam, e soltar
no mundo a energia que todos os dias me resseca e hidrata, sangra-me por dentro
e revitaliza-me, num ciclo de implosões fecundas incontáveis. Escrever. Às
vezes penso que o mundo seria outro, se eu me virasse do avesso e me mostrasse completamente
na eternidade que (não?) sou. Escrever. Porém, que sucederia então à versão
conhecida de mim, àquela (real?) imagem que envelhece inscrita no tempo, que se
aniquila na formatação do dever? Não suportaria o mergulho na cratera interior
do anonimato e, no suicídio, arrastaria esta outra (in)existência desmesurada,
eterna no seu constante revigoramento. Escrever.
Falta-me tempo. E sobra-me dever, que me rouba o
tempo. Não sou quem julgo ser, cá fora. Sou quem julgo não ser, por dentro. Vivo
nas obrigações quotidianas em que morro, camuflando a imortalidade que me
povoa.
Porquê?...
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